terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Big Brother

Imagine-se vivendo em uma suposta realidade em que um governo totalitário tomasse conta de absolutamente tudo, controlasse os conceitos sobre o que é certo e errado, cuidasse de seus cidadãos de maneira falha, manipulasse a verdade, as intervenções bélicas, manipulasse tudo e todos através de um sistema de vigia que trabalha incessantemente. Essa idéia é trabalhada por George Orwell (1903-1950) na obra 1984, onde o personagem Winston Smith vive as desventuradas conseqüências de participar desta sociedade vitimizada pelo autoritarismo.

Mesmo quem não leu 1984, conhece muito bem o mecanismo de vigilância descrito por Orwell, pois tal mecanismo foi plagiado para a elaboração de programas do tipo “reality shows”, onde indivíduos convivem em um pequeno espaço e ficam submetidos a uma vigilância a todo momento vistoriados por câmeras. Essa situação é descrita em 1984 como a tática de vigilância do governo autoritário do Grande Irmão descrito na obra.

Um reality show tem a proposta de transmitir um show do cotidiano, o convívio humano, mas na prática, exibe algo parecido com um universo paralelo que foge absurdamente do proposto. Temos como exemplo o “Big Brother” que propõe um reality show, ou seja, um “show da realidade”, mas este show é completamente fora da realidade. A realidade de fato não é escapista, nem genérica, inescrupulosamente liberal e pervertida, como é apresentada nesse tipo de programa.

A realidade do cotidiano é sem graça o bastante para ser atração audiovisual. A realidade é quase escatológica, cada vez mais insensível, recheada de violência propagandeada e de bondade sem prestígio, e o pior disso tudo é que não dá para mandar indivíduos desprovidos de bom senso para o paredão (aliás, até dá, mas corre-se o risco de ser indiciado por agressão).

George Orwell, jornalista, professor, soldado, livreiro, lavador de pratos e, acima de tudo, escritor, foi um grande simpatizante ocidental de esquerda, e, ao perceber o caminho que a esquerda tomava, usou a literatura como meio para alertar aos seus contemporâneos e às gerações futuras do perigo que políticas e ações autoritárias podem provocar na sociedade. A obra de Orwell é muito atual ainda, embora a idéia de 1984 tenha sido convertida a um programa alienado no maior estilo “gaiola humana” ou até mesmo “laboratório sociológico”. George Orwell decepcionou-se com a postura esquerdista de sua época, e hoje, não é difícil imaginá-lo frustrado ao ver em que se desembocou sua obra.

domingo, 15 de agosto de 2010

Papagaios


Manhã de sábado, acordo com dor de cabeça e um inconfundível cheiro de bebida destilada exalando do corpo. O estômago embrulha, o café desce rasgando a garganta como se estivesse adocicado com pequeninas facas. Sento no sofá e tento pensar em tudo o que deixarei de fazer hoje para deixar para o dia seguinte.
Olham para minha cara inchada de uma noite mal dormida, e ganho a alcunha de irresponsável bebum preguiçoso. Mas ninguém me diz nada.

Terça feira no escritório do trabalho converso com quase ninguém. Mas não deixo de ser educado. Só tento conversar pouco. Sinto-me como um motorista de ônibus que ouve milhares de conversas distintas por dia, enquanto firma as mãos no volante ao lado de uma placa que diz: ''Fale com o motorista somente o indispensável''.
Nove e meia da manhã ouço de uma boca descuidada que pareço ter atitudes irresponsáveis, que sou anti-social e esquisito, quieto demais. Trabalhando em meu silêncio, fazendo o possível para não incomodar ninguém, descubro que sou, na língua alheia, além de irresponsável bebum preguiçoso, também anti-social e esquisito. Não me surpreendo ao ser chamado novamente de irresponsável.

Todos ao meu redor dizem coisas sobre mim. Mas nunca me lembro de ter ouvido uma vez apenas alguém dizer algo 'para' mim. Apenas 'sobre'. Finjo não me incomodar.

Quinta feira, quase oito da noite, encosto meus cotovelos no balcão do bar e espero por minha cerveja. Enquanto encho o copo, aparece um rapaz conhecido e, após me comprimentar e dedicar-me um abraço falso, me convida para sentar em uma mesa em que está com alguns amigos.
Agradeço o convite, mas recuso-o desejo uma boa noite ao amigo e volto minha atenção para meu copo e para as manchas existentes no balcão.
Sou classificado na mesa do rapaz que me comprimentou como arrogante, esquisito, anti-social e estúpido pelo simples fato de não ter feito nada a não ser continuar em meu lugar ao balcão.

Para minha coleção, acrescentei mais dois adjetivos: arrogante e estúpido. Já nem me incomodava com os demais termos que se referiam a mim, imaginando que eu nada percebia. Chegava até a me divertir por perceber a ação estúpida de pessoas comentares sobre minha vida, mesmo não sabendo porra nenhuma dela. Mas ultimamente estava tudo ficando muito estranho e chato, pois percebo que pessoas que eu estimava nunca falar mal de mim, também falavam. Em meu silêncio, rumei à minha casa, ao meu sono, aproveitando ainda os vapores do álcool consumido.

Deitado, passei a odiar todos os seres falantes, e pensei em matar todos, começando pelos papagaios. Verdes, azuis, com penas amareladas, mataria todos que pronunciasse alguma palavra ou algum ruído que fosse. Refleti posteriormente que por mais que um papagaio possa falar, ele não falaria mal de outro papagaio, e caso falasse, não surpreenderia ninguém, pois não seriam palavras atiradas às costas do outro papagaio. Divertiu-me esse raciocínio, e, mesmo com todo ódio às palavras mal proferidas, adormeci. Dormi muito naquela noite, e quando acordei, ainda tinha em mente matar todos seres falantes que me incomodassem. Inclusive papagaios.

Pensar em matar papagaios sempre me arrancava um silencioso sorriso.

sábado, 19 de junho de 2010

Perto... e tão longe...

Encontraram-se no restaurante Luxor, às vinte e uma e trinta. Quando desceu do taxi, ele já estava sentado em uma mesa de canto esperando por ela. Era a primeira vez que resolviam sair juntos.
Ela se acomodou na cadeira cumprimentando-o:
- Boa noite. Desculpe a demora.
Estaria bem mais a vontade caso estivesse em algum lugar em que o ambiente inspirasse movimento e dança. Estava agitada. Quase queria dançar.
- Você não demorou. – disse ele em tom calmo, disfarçando a ansiedade. Também parecia dançar. Palpitava e disfarçava a insegurança. Com isso seus pés suavam. Queria beber cerveja, mas pediu um vinho.
Após momentos de disfarçada descontração e conversa, as palavras se soltaram com mais facilidade acompanhando o movimento das taças pela metade de Nobile di Montepulciano.
- Estava ansiosa para chegar essa noite.
As palavras da moça poderiam ser substituídas sem prejuízo nenhum por ‘estava com medo desta noite’, ou então por ‘tinha medo de você nunca olhar para mim’, se fosse dizer sobre seu estado de espírito e o medo de não agradar o rapaz. Definitivamente estava linda. Mas sentia insegura disso.
- Eu também – disse ele, disfarçando também a infantil ansiedade.
Comeram um prato canellone, com um molho da casa, riram, beberam, conversaram e deixaram as mãos se tocarem.
Ele com toda certeza ficaria bem mais a vontade em um lugar menos requintado. O ambiente formal em demasia o incomodava. Fazia-o lembrar o trabalho, mas ficou quieto.
Ela partilhava do mesmo pensamento, mas nunca imaginava que por um instante pensava o mesmo que ele.
Pediram a conta.
Saíram do restaurante com o que sobrou da garrafa de Vino Nobile di Montepulciano, entraram no carro dele, e distanciaram-se do Luxor.
Chegaram na casa dela.
Ela desceu.
Ele desligou o carro.
Olharam-se iluminados pela luz da rua. Estavam próximos. Um em frente ao outro. Pertos. E tão longes.
- Então... tenha uma boa noite – disse ele.
Ele não queria que a noite terminasse ali.
- Você também – ela pensava em sexo.
- Espero um próximo encontro – disse olhando para os olhos dela, mas querendo olhar o decote do vestido da moça, imaginando os belos seios tão próximos dele.
- E com toda certeza, teremos um novo encontro – ela respondeu com vontade de dar um gostoso e sensual beijo; mas beijou-lhe levemente a face.
Ele sorriu com vontade de agarrar a moça pela cintura e levantar-lhe o vestido, mas apenas tocou no braço dela.
Despediram-se.
Ela dormiu desejando companhia, e dormiu apenas com a lembrança do rapaz.
Ele queria dormir com ela, não voltar para a casa. Mas foi para sua fria casa e masturbou-se ao invés de fazer amor.
Longes um do outro, já no alto da noite, pensavam um no outro, sem maliciar o entrosamento de seus longínquos pensamentos pessoais, e que estes estavam bem mais próximos do que seus corpos.
Dormiram longe.
Sonharam juntos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Era uma vez

Era uma vez
uma história.

Uma história
de amor.

Embora, para alguns,
fosse uma história de
viagens, de ritos de
passagem...

...e, para
outros, de sonhos
e desejos...

...era, ainda assim,
uma história de amor.

(A.D.)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Real Bad Time

Had a real bad time
Because of you
But now I'm gonna make you pay
Oh yeah I'm gona make you pay
Gonna make you pay!!!
Real B. A. D.!!!


(Bad Chopper)

Após um longo tempo, sinto-me na necessidade de voltar a alguns antigos hábitos. dentre tantos, colecionar garrafas e escritos. E guardá-los ao invés de jogá-los fora como costumo fazer com garrafas quando esvaziam.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Contrastes

Da sacada do prédio,
Fecho os olhos,
Abro os braços,
Sinto os ventos da liberdade.
Sonho que sou capaz de voar.

Da beirada da cama,
Abro os olhos,
Fecho os braços,
Sinto o frio do meu quarto.
Percebo que é difícil sonhar.

domingo, 23 de agosto de 2009

Mais um dia para o resto da vida

Quem não tem medo da vida também não tem medo da morte.”
(Arthur Schopenhauer)

“Talvez amanhã eu me sinta melhor” – pensava solitário no escuro de seu quarto, enquanto via a fumaça do cigarro esvair-se pela janela.
Dessa forma, o jovem desconhecido descansava sua arma na gaveta do criado mudo, e lutava para dormir. Na maioria das noites apenas esperava a claridade do dia chegar e trazer toda a previsível rotina.
Levantava quando o sol deveria estar nascendo, jogava uma água na cara amarrotada, fingia-se animado e entregava-se ao cotidiano. Até seus devaneios suicidas pareciam estar impregnados nos afazeres do dia. Tudo era totalmente previsto. Não havia nada de diferente. Nunca.
Voltava para a casa cansado, tomava um banho como fazia todos os dias, perdia duas ou três horas diante a televisão, e ia para o quarto. Abria a gaveta, pegava a arma que herdara do pai (curiosamente uma arma com apenas um projétil), admirava-a por poucos minutos, brincava apontando o cano para seu próprio ouvido: “clack” – estalava um som com a boca e os lábios. Sem graça e sem ânimo para se matar, guardava a arma e ia dormir, preparando-se para um novo (e igual) dia que irá surgir dentro de algumas horas.
Não suportava a rotina típica de seus dias, mas encarava-a porque a conhecia. Não temia o que conhecia. Temia apenas a possibilidades de mudanças em sua vida. Conhecia o seu cotidiano, aquele que é sempre o mesmo, e isso não o amedrontava. Tinha medo do que não conhecia, do que estava além de sua vida. Mentia quando dizia q não tinha medo da vida.
Talvez por isso morreu de velhice, sem nunca ter tido coragem de puxar o gatilho.