domingo, 14 de junho de 2009

Jovem assassino

Sabia muito bem o que fez, o que não sabia era o que fazer agora. Suas mãos estavam sujas de sangue, e não estava assombrado com isso. Tinha onze anos e acabara de matar os pais. Não foi um ato realizado na escuridão de um susto, e sim uma obra planejada. Nunca pensara em matar algo antes, e agora estava com seus olhos sobre dois corpos humanos que nunca mais voltariam a falar na vida.
Era uma criança que se sentia bem quando dormia e tinha sonhos coloridos, e se incomodava apenas quando acordava e os sonhos iam embora. Em seus sonhos todos eram felizes, inclusive seus pais. De olhos abertos, seus pais não brincavam com ele, e enquanto dormia, pareciam nem ter problemas. Na verdade não tinham problemas durante os sonhos. Mamãe não tomava remédios e era feliz assim como anos atrás, e papai carregava-o no colo, e brincava no quintal sem se preocupar em mexer nos papéis importantes que ocupavam todo o tempo do dia.
A criança nunca tinha matado nem uma galinha antes, o que forçou a ter uma experiência com a morte. Chamou Ted, o velho cão labrador de seu pai e trancou-o dentro do quarto. Deixou o portão entreaberto para criar a desculpa de que o cão havia fugido naquela tarde. Amarrou o pescoço do animal na cabaceira da cama e buscou a faca na cozinha. Começou acariciando a cabeça do cachorro até o momento em que, tranquilizado, permitiu que o garoto sentasse sobre seu corpo. Sobre a cama, estava a faca afiadíssima que papai usava quando resolvia fazer churrasco para os amigos que usavam roupa de gente importante. Deitou sobre o cachorro acariciando-o, e encostou a ponta da faca onde imaginava ficar o coração do animal. De modo ágil, assim como um assassino de filme de televisão, enfiou a faca onde havia mirado e apertou o focinho do animal. Ted reagiu, tentou levantar, tremeu e ganiu baixinho durante alguns segundos e não mexeu nunca mais.
O animal ficou gelado como o piso do quarto quando passou alguns minutos. O pequeno assassino buscou um saco grande de lixo e lutou contra o peso do cachorro para embalá-lo. Percebendo que perderia na luta contra o peso do animal e não conseguiria removê-lo do quarto, empurrou o bicho morto para debaixo da cama. Depois foi até a lavanderia e buscou um pano molhado para limpar o sangue do chão. Feito isso, jogou o pano no lixo e caminhou até o banheiro. Tirou suas pequenas roupas e se espantou quando as viu sujas de sangue. Nunca vira tanto sangue na vida. Lembrou-se do acidente de bicicleta em que cortara o joelho e manchou a bermuda amarela com sangue e poeira de asfalto, mas nada se comparava à quantidade de sangue que estava em frente aos seus olhos. Um surto de curiosidade veio à sua infante mente, e resolveu olhar o espelho e espantou-se mais ainda quando viu seus cabelos claros tingidos de vermelho. Havia sangue em seu pescoço e em suas mãos. Muito sangue. E gotas que escorriam nas pernas. Diante essa visão, resolveu tomar banho e jogar suas roupas no lixo.
Feito isso, foi brincar no quintal.
Chegou a noite, e sua mãe chegou com o jantar em um pacote que foi direto ao aparelho microondas enquanto perguntava sobre o portão semi-aberto e já supunha a fuga de Ted. Ajeitou os pratos sobre a mesa e foi tomar banho. Saiu do banho, voltou até a cozinha, encheu um copo com água até quase a borda e engoliu um comprimido. Feito isso, foi deitar sem jantar, deixando seu prato vazio sobre a mesa. Duas horas mais tarde o pai chega em casa. Vê a criança brincando em frente à televisão e enche o prato com comida trocando o canal sem se importar com o que o filho estava assistindo. Afrouxou a gravata, tirou os sapatos e foi dormir somente quando se sentiu quase cochilando diante a televisão.
O jovem assassino entrou em seu quarto, vestiu o pijama e deitou na cama abraçando a faca de churrasco. Ficou acordado até a madrugada. Levantou-se apenas quando escutou o pai roncar. Na hora da noite em que imaginava que somente gatos ficariam acordados na rua, a criança levantou da cama e sentiu a frieza do chão sob seus pés nus. Segurou com firmeza o cabo da faca de modo que a lâmina encostou em seu antebraço. Caminhou até o quarto de seus pais e abriu a porta com cuidado. Contornou a cama que se localizava ao centro do quarto e ficou olhando para o semblante de seu pai distorcido pela escuridão. Encostou a ponta da faca sobre suas costas no rumo do coração e apertou o objeto contra o corpo do progenitor. O pai acordou e segurou um grito. Tentou virar, mas no susto, derrubou a criança no chão e torceu o corpo, fazendo a faca torcer no interior de seu corpo, dilacerando não só o coração, mas também o pulmão esquerdo. O garoto fitou os olhos abertos de seu pai morto e removeu a faca do corpo. Contornou novamente a cama e posicionou a faca entre os seios da mãe. Ela teria dificuldades para acordar em susto devido aos comprimidos que tomava, mas mesmo assim acordou muito zonza e morreu sem ter nem noção do que ocorrera. O filho concentrara todas as forças e seu próprio peso sobre a faca contra o corpo da mulher.
Realizado a façanha, o garoto acendeu as luzes do quarto e observou os pais mortos. Retirou a faca do peito da mãe, colocou-a sobre o criado mudo e voltou para seu quarto. Espantou-se de sua própria coragem. Sabia muito bem o que acabara de fazer. Só tinha dúvidas do que faria depois.
Apagou as luzes, voltou para sua cama e dormiu na certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma. Nunca mais se sentiria ignorado pelos pais, nunca mais assistiria uma discussão. Talvez agora seria feliz com seus pais dormindo para sempre. Será que sonhariam? Essa foi a dúvida que veio à mente da criança antes de ser dominada pelo sono.
Abraçou o travesseiro, virou para o lado, sorriu, adormeceu e sonhou.

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