domingo, 15 de agosto de 2010

Papagaios


Manhã de sábado, acordo com dor de cabeça e um inconfundível cheiro de bebida destilada exalando do corpo. O estômago embrulha, o café desce rasgando a garganta como se estivesse adocicado com pequeninas facas. Sento no sofá e tento pensar em tudo o que deixarei de fazer hoje para deixar para o dia seguinte.
Olham para minha cara inchada de uma noite mal dormida, e ganho a alcunha de irresponsável bebum preguiçoso. Mas ninguém me diz nada.

Terça feira no escritório do trabalho converso com quase ninguém. Mas não deixo de ser educado. Só tento conversar pouco. Sinto-me como um motorista de ônibus que ouve milhares de conversas distintas por dia, enquanto firma as mãos no volante ao lado de uma placa que diz: ''Fale com o motorista somente o indispensável''.
Nove e meia da manhã ouço de uma boca descuidada que pareço ter atitudes irresponsáveis, que sou anti-social e esquisito, quieto demais. Trabalhando em meu silêncio, fazendo o possível para não incomodar ninguém, descubro que sou, na língua alheia, além de irresponsável bebum preguiçoso, também anti-social e esquisito. Não me surpreendo ao ser chamado novamente de irresponsável.

Todos ao meu redor dizem coisas sobre mim. Mas nunca me lembro de ter ouvido uma vez apenas alguém dizer algo 'para' mim. Apenas 'sobre'. Finjo não me incomodar.

Quinta feira, quase oito da noite, encosto meus cotovelos no balcão do bar e espero por minha cerveja. Enquanto encho o copo, aparece um rapaz conhecido e, após me comprimentar e dedicar-me um abraço falso, me convida para sentar em uma mesa em que está com alguns amigos.
Agradeço o convite, mas recuso-o desejo uma boa noite ao amigo e volto minha atenção para meu copo e para as manchas existentes no balcão.
Sou classificado na mesa do rapaz que me comprimentou como arrogante, esquisito, anti-social e estúpido pelo simples fato de não ter feito nada a não ser continuar em meu lugar ao balcão.

Para minha coleção, acrescentei mais dois adjetivos: arrogante e estúpido. Já nem me incomodava com os demais termos que se referiam a mim, imaginando que eu nada percebia. Chegava até a me divertir por perceber a ação estúpida de pessoas comentares sobre minha vida, mesmo não sabendo porra nenhuma dela. Mas ultimamente estava tudo ficando muito estranho e chato, pois percebo que pessoas que eu estimava nunca falar mal de mim, também falavam. Em meu silêncio, rumei à minha casa, ao meu sono, aproveitando ainda os vapores do álcool consumido.

Deitado, passei a odiar todos os seres falantes, e pensei em matar todos, começando pelos papagaios. Verdes, azuis, com penas amareladas, mataria todos que pronunciasse alguma palavra ou algum ruído que fosse. Refleti posteriormente que por mais que um papagaio possa falar, ele não falaria mal de outro papagaio, e caso falasse, não surpreenderia ninguém, pois não seriam palavras atiradas às costas do outro papagaio. Divertiu-me esse raciocínio, e, mesmo com todo ódio às palavras mal proferidas, adormeci. Dormi muito naquela noite, e quando acordei, ainda tinha em mente matar todos seres falantes que me incomodassem. Inclusive papagaios.

Pensar em matar papagaios sempre me arrancava um silencioso sorriso.

3 comentários:

  1. Ligeiramente familiar....
    Nunca tinha pensado nos papagaios...Mas é uma boa ideia...Se precisar d ajuda,tenho duas mãos,deve ajudar...
    Gostei muito do texto,como sempre...
    Bjks

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  2. Boa Noite!
    Obrigada pelas palavras, nós do Dixieland ficamos muito gratos :)
    E ah, posso adicionar um link do seu blog no nosso?
    Abraços!

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  3. Então, nós agradecemos por linkar nosso blog e já criei um link para o seu.
    Abração e tudo de bom!

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